terça-feira, 19 de novembro de 2013

Olhar e ver.


É fato comum em nossa vida: olhar sem ver.
Olhar para o mendigo na rua, e não ver a situação de miséria e privações que ele vive. Olhar para o céu, e não ver o desenho das nuvens, a escuridão da tempestade que se aproxima, o arco-íris que se formou depois da chuva. Olhar para um amigo e não ver a tristeza em seus olhos, a necessidade de um abraço apertado, de um colo disposto, um sorriso cúmplice.
Enquanto os dias correm no vai-e-vem de vidas cada vez mais cheias de vazio, mais aprendemos a fortalecer a viseira que criamos para nos exilar da realidade. Criamos máscaras que camuflam nosso real estado de espírito, escondemos as falhas e imprecisões sob camadas de maquiagem, ocultamos tudo debaixo de óculos escuros e batom vermelho. E conforme o tempo passa vamos nos esquecendo de ver nossa imagem no espelho. A face nu, sem máscaras, sem camuflagens, sem base e corretivo. Olhar e ver... perceber as rugas que se formam e que trazem consigo experiência e maturidade. Examinar as cicatrizes que são extremamente bem-vindas, porque fazem com que tenhamos certeza de que o que vivemos foi real. Os traços, os riscos, as marcas... cada um representando uma decepção, uma rasteira, uma queda, e por meio deles, o aprendizado essencial para compor a versão atualizada de nós mesmos. Olhar para o sorriso enfático em nosso rosto e ver o quanto tivemos de lutar para mantê-lo, para não permitir que murchasse diante da rotina diária: o mais do mesmo cotidiano que por muitos momentos toma conta da nossa vida. 
Contudo, o mais importante é observar os olhos. Sim, sempre disse que o que mais me encanta são os olhos. Aqueles que mesmo olhando sem ver, arquivam toda a memória de cenas que já vivenciamos, que materializam na mente as recordações mais doces que formam os capítulos de nossa existência. É neles que reside a cor de nossa esperança. E mais: o brilho fruto do amadurecimento obtido a duras penas. Ali moram lembranças e saudades... são eles que abrigam aquela lágrima que seguramos num momento de dor. Foi a partir deles que deixamos escorrer aquele pranto de emoção e alegria nas conquistas, ou de lamento e tristeza nas decepções e perdas. 
Olhar no espelho e ver o que a vida fez conosco nem sempre é atitude fácil. Requer coragem, principalmente, e coração aberto para ver o quanto tivemos que mudar para permanecer sendo quem somos. O quanto foi preciso nos refazer, recriar, reinventar em cada novo obstáculo, a cada vez que as portas se fechavam e precisávamos abrir janelas, escalar telhados, invadir chaminés... 
É difícil mas necessário, "além do que é sabido, além do que é sentido: ver além da máscara". 

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