sexta-feira, 23 de maio de 2014

Malas e recordações.

Hora de fazer as malas. Mas além dos habituais livros, roupas, fotos, perfumes e demais objetos que me definem, essa foi a hora de colocar na bagagem um bocado de recordações. Hora de mudar de casa, mas, mais que isso, mudar de fase.
Fecho a mala, olho ao redor e um filme incrível passa diante dos meus olhos. Para alguns pode significar apenas uma mudança, algo banal e corriqueiro. Algo até mesmo necessário. Mas nesse caso, significa deixar para trás uma época de muitas transformações, enormes desafios, vivências intensas e de aprendizado imensurável. Três anos em que, se não fui feliz em todos os momentos, sem dúvidas vivi instantes que valeram por todas as lágrimas derramadas, as decepções acumuladas e as mágoas amargas que, graças a Deus, ficaram no passado. 
Deixar de viver em um lugar que tem muito de mim em cada parede, cada cômodo, cada objeto. Tem muito de mim porque muitas historias ali foram construídas, outras rompidas de forma irremediável. Tantas pessoas entraram e saíram da minha vida assim como entravam e saiam diariamente por aquela porta com o "102" gravado. Tanta gente que trouxe novas experiências, trocas ricas em humanidade. Que me fizeram olhar para dentro de mim e encontrar coisas que nem eu mesma imaginava sentir. Gente que me amou, me odiou, me irritou, me encantou, me magoou, me fez feliz. Gente que ficou ao meu lado nas noites gélidas de julho ou nas tardes abafadas de janeiro. Gente que bebeu comigo nas tantas sextas-feiras de festas ou roda de violão. Gente que rachou o dinheiro pro almoço, que me ajudou a limpar a bagunça depois dos porres alheios (e próprios) da noite anterior. Gente que ganhou de mim no uno, ou passou embaixo da mesa depois dos 12x0 no truco. Gente que foi pro cantinho da disciplina, que virou noites trocando confidências, vendo filme de terror ou lendo ao meu lado. Gente que dançou funk na sala enquanto havia eletrônico tocando na cozinha, ou sertanejo no quarto ao som do pagode da área de fumantes. Gente que brincou de imagem e ação e drink game. Gente que tomou minha caipira de limão, laranja, maçã, kiwi, manga, maracujá e/ou o q tivesse. Gente que me abraçou tão forte que fez o mundo desaparecer. Gente que enxugou minhas lágrimas e me protegeu. Gente que apontou meus erros, com carinho, para que eu tentasse mudar para melhor. Gente que viu a pior parte de mim, e ainda assim, permaneceu ao meu lado. Gente que viu a melhor parte de mim, e ainda assim, escolheu partir. Gente que conheceu meu gênio terrível, minha mal-criação e minha sinceridade sem medida. Gente que foi porto-seguro, ou foi trem passageiro,  gente que se tornou afeto eterno. Gente que fez de mim melhor a cada dia, e que formou muito do que sou hoje. Gente que me fez aprender que cada um dá o que tem, que toda ação tem uma reação e que o bem que fizemos, acaba voltando de alguma forma, pela ordem do universo. Gente que me ensinou a amar de uma forma mais livre, ou melhor, me ensinou a deixar o outro ser o que é, lhe dando a liberdade para partir ou ficar. Fecho a mala com toda essa gente dentro dela, e ainda assim, seu peso é quase imperceptível, já que restaram laços decorados, que continuam enfeitando minha vida.
É difícil partir, mas é impossível ficar. É hora de buscar novas experiências, deixar um pouco de mim em outras paredes, observar novas vistas da janela. Momento de iniciar uma fase, que só é possível graças a anterior, e que com certeza será mais completa devido a tanta gente da qual depende a minha vida, já que sou feita de relações, e movida pelas emoções que elas transmitem. E sim, "abençoadas sejam as dádivas que vêm nos lembrar, com alívio, que há lugares de descanso para os nossos cansaços. Que há lugares de afrouxamento para os nossos apertos. Que dá pra mudar o foco. Que não é tão complicado assim saborear a graça possível que mora em cada instante. Abençoadas sejam as dádivas generosas que nos surpreendem. Elas não sabem o quanto às vezes, tantas vezes, nos salvam de nós mesmos.”